Embrião de Maria Clara foi selecionado para não
carregar genes doentes e ser compatível com a irmã, Maria Vitória, que sofria
de uma condição genética rara. Assim, seria possível realizar um transplante de
medula entre as duas
As irmãs Maria Vitória e Maria Clara Reginato Cunha
apenas quatro dias após o nascimento da caçula, em 2012 (Evelson de Freitas/AE)
As irmãs
Maria Vitória e Maria Clara Reginato Cunha apenas quatro dias após o nascimento
da caçula, em 2012 (Evelson de Freitas/AE)
Maria
Vitória, de seis anos, sofria de talassemia major, uma doença crônica e rara no
sangue que pode levar à morte. Por causa disso, a menina era submetida a
transfusões sanguíneas a cada três semanas e tomava uma medicação diária para
reduzir a quantidade de ferro no organismo. Depois de procurar mais de 30
médicos em busca de uma solução para a doença da filha, os pais de Maria
Vitória decidiram passar pela fertilização in vitro para selecionar um
embrião que pudesse ajudar na cura dela. Em fevereiro de 2012, nasceu
Maria Clara, o primeiro bebê brasileiro a ser selecionado geneticamente
em laboratório para não carregar genes doentes e ser totalmente compatível com
a irmã. No último mês, a irmã mais velha recebeu o transplante de medula óssea
a partir de células-tronco de Maria Clara — e, segundo os médicos envolvidos no
caso, é possível considerar que Maria Vitória está curada e, portanto, livre
das transfusões de sangue.
A
talessemia é uma doença genética hereditária. Para que uma pessoa tenha o
problema, precisa herdar os genes tanto do pai quanto da mãe. A condição se
caracteriza pela diminuição da síntese de hemoglobinas, que são as responsáveis
por carregar o oxigênio presente nos glóbulos vermelhos. Uma vez que se trata
da diminuição de hemoglobina, a talessemia é um tipo de anemia. Ela pode ser
menor, ou seja, uma doença mais discreta com sintomas fracos ou até
assintomática, ou major. Nesse caso, o mais grave, há duas soluções para o
paciente: transfusão de sangue frequente por toda a vida ou transplante de
medula, que faz com que a pessoa com a doença não apresente mais o gene
responsável pelo problema e passe a sintetizar a hemoglobina normalmente. Foi o
que aconteceu com Matria Vitória.
O
procedimento — Na
prática, o procedimento funcionou assim: o tratamento de fertilização in
vitro feito pelos pais de Maria Vitória resultou em dez embriões, que
tiveram suas células analisadas. Desses, dois eram saudáveis e totalmente
compatíveis com a menina. Eles foram implantados no útero da mãe, Jênyce
Reginato da Cunha, mas apenas um sobreviveu. Foi aí que nasceu Maria Clara.
No parto,
os médicos colheram as células-tronco do cordão umbilical de Maria Clara. Como
a quantidade não era suficiente para o transplante, foi necessário esperar que
o bebê completasse um ano de idade para coletar um número maior de células da
medula ósseas. Maria Vitória foi internada em março deste ano no Hospital
Sírio-Libanês, em São Paulo, para dar início ao condicionamento: recebeu altas
doses de quimioterapia para destruir as células da sua medula óssea e deixar o sistema imunológico
zerado. No dia 18 de março, Maria Clara foi submetida à coleta das células da
medula óssea. Em seguida, essas células foram infundidas em Maria Vitória —
primeiro as do sangue do cordão e, depois, as da medula óssea da irmã.
Espera — Segundo o hematologista Vanderson
Rocha, responsável pelo transplante, durante os 15 primeiros dias a medula de
Maria Vitória continuava zerada. Essa foi a fase mais crítica, pois o corpo não
produzia nenhuma defesa e a menina ainda precisava receber transfusões. Depois
desse período, a medula óssea
da criança voltou a fabricar as células e, desde então, ela não precisou mais
receber transfusões de sangue. “Ela voltou a produzir células como uma pessoa
normal. Ela tem uma medula nova. O resultado é muito bom e podemos considerar
que a Maria Vitória está curada”, diz Rocha.
Segundo o
médico, as chances de complicações pós-transplante existem, mas são muito
baixas. “Acontece em menos de 5% dos casos. Ainda assim, o transplante é a
melhor opção. A Maria Vitória estava começando a ter problemas no fígado por
conta do ferro”, afirmou, acrescentando que há cerca de cem casos de
transplantes registrados na Europa para curar talassemia, todos com sucesso.
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